sexta-feira, 19 de outubro de 2012

#semtrabalhoinfantil

Super feliz pelo convite para a BC! Assuntos relacionados com a infância me mobilizam e poder dar esta pequena colaboração é um prazer! Valeu Sam e Aline pela lembrança e convite!

No começo do ano passado participei de um trabalho voluntário no Vale do Jequitinhonha. Fomos em algumas cidades e depois de andar bastante tínhamos uma missão especial. Iríamos visitar uma pequena cidade, de três ou quatro ruas, aonde todos trabalhavam com cerâmica.
O pó que o carro levantou ao entrar na rua principal, chamou atenção dos que estavam por perto.
Uma paisagem cinza. Terra seca. Pequenas casinhas cobertas com uma mistura feita de pedras, feno/palhas e esterco. O fogão pra fora da casa, o cachorro e galinha andando pelos diferentes "cantos" da cidade foi a paisagem que nos deu boas vindas.
Na primeira casa que entro (sem nada dentro) vejo algumas crianças sentadas no chão, com martelos nas mãos quebrando pedras para fazer o pó da cerâmica, típica da região.
Sem camiseta, só com uma bermuda e um olhar bastante sério. Um silêncio de risadas e brincadeiras, não se tinha o som infantil tão familiar aos meus ouvidos, escutávamos apenas o martelar!
Os pequenos continuavam o trabalho, seriamente. Eu fui logo para o fundo da casa, havia uma pequena porta e caminhei tentando sair antes que eles percebessem minhas lágrimas!
Engoli o choro e fui conversar com os pequenos habitantes, passar um tempo enriquecedor com aquelas crianças tão "adultas", tão carentes, tão solidárias, tão esquecidas...
Nesta cidade não havia escola, pequenos mercados, posto de saúde, farmácia. Nada! Havia apenas uma igreja, o que deixava muito claro que a força daquela gente vinha da Fé!
Um ônibus passava na rodovia 1 vez ao dia, 3 vezes por semana, para levar as pessoas para uma cidade maior. Mas as crianças não iam estudar, nem mesmo subiam no ônibus para ir até a praça da "cidade grande" brincar!
O que vi foi mais ou menos como esta imagem:

















Isso me marcou e é um ponto que gostaria de abordar no debate. Pra mim, o que mais caracteriza o trabalho infantil no Brasil é a desigualdade social e cultural.
A Constituição Federal proíbe, abrindo pequenas exceções bastante específica para o "pequeno aprendiz", temos também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem a ratificação da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e tantas outras obrigatoriedades da Lei.
Já ouviu falar que "Na prática a Teoria é outra"? Na minha opinião é o que acontece em grande escala no nosso país.
Uma cultura e um hábito familiar que vai passando de geração em geração, de ir incluindo o filho e a filha no trabalho da família, no comércio de cerâmica da cidade, na roça, no balcão da padaria, no semáforo, nas esquinas.
Vezes com olhar de exploração, nítida e com toda a consciência que possui, sem pesares.
Outras com ar de orgulho, de missão cumprida por passar para o filho o conhecimento de mecânica (exemplificando) que este pai tinha e agora pertence ao pequeno Júnior da família.
Problema cultural, de aceitação e permissão de todos. Do que vende ao que compra.
Do que fala, propõe mudanças no governo ao que se cala. De todos nós!

Proponho a clareza de informações que em casos como os relatados acima só funcionam com soluções no café da manhã, almoço e jantar. Escolas públicas estruturadas. Postinho de saúde decente, emprego e conhecimento profissionalisante para este pai e mãe!
O que pode ser amplo e subjetivo de mais e resultar em nada. Afinal, isso não é coisa minha, é do governo. Certo!?
Errado!
É minha se eu estender minhas mãos e fazer minha parte, na medida da minha força e passar esta ideia pra os que me rodeiam (e a internet faz essa roda ficar gigante).
Aí o assunto vira nosso, é da nossa conta a criança da cidade, do meu bairro, da cidade vizinha. Sempre existe alguém que podemos ajudar.

E pra levantar um pouco a poeira, o que falar do trabalho infantil que dá méritos, status, muita grana e destaque na sociedade?
Esse pode? Esse a gente aceita, né! É legal! Cool!
Poucos questionam, são tão lindinhos e talentosos que é quase "natural" eles estarem lá na telinha, palcos e telona.
São crianças que recebem pressões, estão mudando o foco da infância, trocando valores, sofrendo estímulos desnecessários,  levando-os ao stress e desgaste emocional, psicológico.
É o outro lado da desigualdade Brasileira, o lado que faz muitos aplaudirem, que colocam "likes" e rotulam estes pequenos como sendo melhores, alvos, espelhos.
E o que eles estão refletindo?? Merchandising de empresas que estão nem aí pra situação infantil no Brasil. Que com o dinheiro gasto em um mês de anúncio no Carrosel ajudaria a mudar a realidade de muita gente.

O que temos construído?
Aceitam valores impostos pelo habitual sem questionar.
Compramos bala na rua, damos gorjeta, pagamos os impostos e pronto! Culpa do governo. Tô fazendo minha parte.
Contratamos o elenco do Carrosel pra festa de aniversário do filho, estoco fisher price em casa e lamento a dor da África. Afinal, tá tão longe!
E a criança da minha e da tua casa? Tem curtido a infância que ela tem direito a ter? Temos passado a simplicidade de estar com o outro, de curtir a vida, as pessoas e não as coisas? Temos lutado em casa pra diminuir a desigualdade ou usamos até o limite dos cartões de crédito só pra mostrar o que meus filhos podem ter e vestir?
Será que com nossas atitudes eles, nossos filhos, serão adultos que um dia vão se importar, ajudar e falar pra todos ouvirem: É DA MINHA CONTA!!

Eu digo não para todo trabalho infantil.
Digo não para a desigualdade social e me esforço para manter o foco no amor, que vem de Deus, passar o bem pros meus filhos e estender a mão ao próximo.
Pratico o desapego (sim...as vezes com dificuldade, porém praticado!) dos melhores brinquedos que eles já não usam, de uma quantidade de dinheiro e de tempo, para ajudar.
Tenho uma porção de falhas e posso melhorar muito ainda, espero não perder o foco e continuar espalhando o bem e o amor, apesar de mim.